Terapia da Gaguez

Nota: este artigo é reproduzido com a autorização expressa do autor. Dr. Pedro Aires de Sousa - Terapeuta da Fala do Serviço de ORL do Hospital de Pulido Valente

Artigo publicado no BOLETIM DO HOSPITAL PULIDO VALENTE – Nº 2 Abril/Junho 2007, Ano XX – VOl. XX

Resumo: O autor procura dar uma definição de gaguez e fornecer elementos para o seu tratamento do ponto de vista sistémico da pragmática da comunicação, com base na sua prática clínica. Palavras chave: Gaguez, pragmática, sistémico, comunicação.

 

TERAPIA DA GAGUEZ

Definição de gaguez

A gaguez é uma perturbação da fluência do discurso em que se verificam bloqueios, repetições e prolongamentos de sons. Pode ser acompanhada de movimentos faciais e ou corporais. Tradicionalmente classifica-se a gaguez como tónica (bloqueio), clónica (repetição) e mista (tónica e clónica) É tido como certo que quase todas apresentam um carácter misto, donde nos parece que esta distinção não se revela pertinente nem para o esclarecimento da etiologia nem para o tratamento. Parece ser um tique, um conjunto de movimentos involuntários que parasitam um comportamento desejável. Só terá tanta importância porque afecta um comportamento fundamental de comunicação.

Existem várias tentativas de explicação mas não foi ainda encontrada uma que possa ser provada. Segundo as teorias da pragmática da comunicação a gaguez poderia advir da tomada de consciência das hesitações normais que atingem uma maior incidência por volta dos três/quatro anos no decurso normal da aquisição da linguagem. Especialmente se na família existir algum gago. Do ponto de vista comportamentalista coloca-se a hipótese de a gaguez se auto-alimentar por um processo de reforço do bloqueio ou repetição. Quando a sílaba ou palavra acaba por ser pronunciada a ansiedade decresce, a hesitação é premiada. Constitui-se numa aprendizagem com reforço negativo de padrão constante.

Tipificação das características das atitudes e comportamentos das pessoas que gaguejam

Raramente dizem que gaguejam. Têm um problema de fala. Raramente falam sobre o assunto e tentam aparentar, muitas vezes, uma certa tranquilidade em relação ao problema. Quando falam sozinhos, imitam alguém ou falam para os cães, raramente gaguejam. Fazem tudo para que não se veja e para que não aconteça. Tudo, pode significar não falar, mudar de passeio para não saudar um vizinho. O gago arrisca-se muitas vezes a ser considerado mal-educado ou tonto. Têm sempre esperança que dessa vez não vão gaguejar. Por vezes não gaguejam. Do ponto de vista comportamentalista trata-se de um condicionamento por reforço negativo com padrão aleatório. Fogem às palavras e letras em que gaguejam mais. Esta atitude muitas vezes leva a que o sentido do discurso não corresponda exactamente ao que tencionavam dizer. Nesta situação o gago fica com a frustração de não ter dito o que queria ou obriga-se a reformular passando novamente pelo suplício de falar. A gaguez é tida como um problema vital e condicionante de toda a vida da pessoa. Torna-se um paradigma existencial.

O sofrimento do gago

Pedir uma cerveja quando se pretende um café ou comprar um bilhete de comboio para uma estação diferente daquele a que se pretende chegar podem ser situações comuns no dia-a-dia de um gago. Não se trata de enganos, correspondem à necessidade de não mostrar que é gago. Nestas situações o gago diz aquilo que for preciso para não gaguejar. O prejuízo resultante de beber uma cerveja em vez de um café pode parecer de pouca monta mas o assunto é bem mais sério. A repetição destas situações torna-se muito irritante e faz sofrer especialmente pelo sentimento de auto-desvalorização que implicam; “não sirvo nem para pedir um café”. O gago perde muitas coisas na vida. Desiste de frequentar cursos por ser gago e vê-se impossibilitado de obter determinados empregos. Muitos gagos, pura e simplesmente, não falam ou falam muito menos do que se poderia imaginar. Temos partilhado enormes angústias com que se debatem as pessoas que gaguejam.

Gestão de dependência

Uma das questões mais frequentemente colocadas na terapia, explícita ou implicitamente, é a da dependência em relação ao terapeuta. É tido pelo senso comum como importante que cada indivíduo seja capaz de resolver os seus problemas sem recorrer a outros, especialmente se estes se encontrarem fora do seu círculo familiar ou de amigos. Este recurso a estranhos é bem aceite se se tratar de problemas relacionados com a saúde física ou para a resolução de problemas técnicos. Em qualquer dos casos as pessoas reconhecem que os seus conhecimentos sobre essas matérias são insuficientes e não se sentem diminuídos por isso. Recorrer a um terapeuta porque se gagueja ou não se consegue falar, já é tido como revelador duma incapacidade que põem em causa o valor do indivíduo. Nesta situação a vergonha e o medo podem andar por muito perto. Vergonha da incapacidade, medo da dependência.

Gostaríamos de definir regras de relação (protocolo) entre o terapeuta e o cliente de modo a evitar a situação atrás referida. Começaremos por recordar que na nossa proposta de definição de gaguez e insistimos no facto desta se constituir num problema (em sentido estrito) difícil de resolver por erros sistemáticos de equação e de cálculo. Assim, o gago precisa de aprender a equacionar, de forma diferente, a sua relação com os outros através da comunicação oral. Deste ponto de vista o papel do terapeuta não deve ser encarado como aquele que cura mas antes como mestre e investigador. A autoridade como mestre ganha-a o terapeuta no confronto de ideias com o cliente. Não se trata de uma autoridade conferida apenas por um diploma. Pensamos que esta forma de encarar a terapia dignifica a relação terapêutica e permite efectivamente ao indivíduo gerir a sua dependência. Afastada deste modo a nebulosidade dos processos intrapsíquicos a terapia desenvolve-se à luz do dia. O gago tem ocasião de discutir e testar na prática as propostas feitas pelo terapeuta. Se as adoptar não fica com receio de ter sido influenciado por meios estranhos à sua consciência, mas sim porque foi convencido da sua validade. Em primeiro lugar pedimos que o gago explicite a teoria construída sobre a própria gaguez e as soluções encontradas (ensaiadas).Consideramos esta fase de extrema importância pois queremos que a incapacidade do gago para ultrapassar o seu problema advém da forma como o equaciona, das premissas em que baseia a sua análise e das atitudes que toma para o solucionar.

Construção da teoria sobre a gaguez

É necessário fornecer um quadro de compreensão da gaguez e ferramentas para operar sobre ela. O nosso grande problema é saber se o quadro corresponde à realidade e se as ferramentas não são mais que comportamentos mágicos. Inquirido sobre a origem da gaguez, só se lembra de sempre ter gaguejado. Este facto leva-o a pensar na gaguez como “uma coisa de nascença”. A hereditariedade é o aspecto mais focado. A gaguez é também encarada como uma doença; qualquer coisa exterior, com existência própria que “ataca” o indivíduo. Detectamos aqui a reificação de um processo ou seja dá-se-lhe um nome e seguidamente invoca-se a sua realidade como explicação da sua existência. Esta mistificação é muito comum em situações estruturalmente idênticas como tiques, insónia, anorexia e outras. Queremos dizer que é o indivíduo que gagueja, ainda que involuntariamente, e não a gaguez que o faz gaguejar. Levar o gago a reconhecer-se não apenas como vítima mas também como produtor da gaguez é fundamental para criar condições objectivas e subjectivas de domínio da gaguez. O receio de que a gaguez seja sinal ou sintoma de deficiência intelectual é frequente mesmo quando o gago é um indivíduo com um grau de instrução elevado e/ou não exista nenhum outro índice de deficiência. É também frequente o gago considerar que é uma estupidez gaguejar. Nós preferimos qualificar essa “estupidez” de ignorância. Primeiro porque estupidez é um conceito muito indefinido e portanto difícil de ultrapassar e em segundo lugar porque o ignorante pode aprender.

Procuramos assim afastar fantasmas para dar lugar a uma equação da realidade que permita operar. O gago verifica ainda uma estreita relação entre o seu estado emocional e a intensidade da gaguez. Se está perturbado, “nervoso” ou cansado a gaguez é mais intensa. Assim atribui ao nervoso, entendido aqui como neurose, a causa da gaguez. Estabelecendo esta premissa encontra-se mais uma vez num beco sem saída; por um lado qualquer esforço para ficar mais calmo tem o efeito contrário, por outro lado a neurose, que preferimos denominar como desconforto existencial, não é resolúvel ou atenuada por um simples acto de vontade: “Não quero sentir-me mal e pronto!”.

Um outro factor que faz variar a gaguez, atenuando-a ou mesmo fazendo-a desaparecer é o esquecimento. É frequente o gago dizer que quando se esquece de que é gago não gagueja. Aceitamos isto como verídico e seria realmente a condição suficiente para eliminar a gaguez se não trouxesse consigo um erro elementar mas muito penalizante. Estabelecendo a relação entre esquecimento e diminuição da gaguez, o gago pretende, nem mais nem menos, esquecer-se que gagueja. Esquecer é o reverso de uma medalha cuja outra face é lembrar. Chegamos assim à seguinte situação: “Tenho que me esquecer de me lembrar”. O resultado desta decisão traduz-se sempre em lembrar-se constantemente. Esquecer é sem dúvida um acto involuntário; se nos queremos esquecer, o caminho mais seguro é querer lembrar. Se não recorde-se o leitor de todas as vezes que queria tanto lembrar-se de qualquer coisa e ....! O sentimento, expresso, que mais vezes encontramos é a necessidade de “fazer coisas” para combater a gaguez. O carácter óbvio desta necessidade leva desde logo a esquecer duas realidades fundamentais: i) o gago é comprovadamente incapaz de eliminar a gaguez; ii) deixar de fazer é, em termos absolutos, fazer.

É bastante claro para nós que o gago fracassa sempre que tenta controlar o seu comportamento salvo raras excepções que mais adiante referiremos. Qualquer acção ou intenção para controlar a gaguez tem sempre o efeito de a aumentar. A pergunta que se nos coloca de imediato é se não haverá nada a fazer. Claro que há. É preciso deixar de fazer. Este desarmamento unilateral e incondicional face à gaguez não é fácil de aceitar, por várias razões entre as quais destacamos:

- receio de aumento da gaguez por ausência de controlo.

- não querer receber um atestado de incompetência depois de uma luta renhida, em que o gago empregou todos os seus recursos ao longo de 15, 20 ou mais anos.

Seremos obrigados a resolver esta contradição aparente entre a necessidade óbvia de controlar a gaguez e a impossibilidade e inconveniente de o fazer. Um jovem que nos consultou referiu que um dos problemas graves com que se defrontava dizia respeito à impossibilidade de responder durante as aulas a qualquer pergunta feita para toda a turma. Sempre que queria responder pensava que iria gaguejar e enquanto hesitava outro colega adiantava-se e respondia. É evidente que seria inútil tentar convencer o professor, depois da resposta dada, que sabia responder e só não o tinha feito por ser gago. A única solução que encontrou foi tentar ser mais rápido. O resultado foi sempre o mesmo. Ultrapassado por todos, foi desistindo de responder ou, melhor, de tentar responder.

Fizemos-lhe notar que parecia demonstrado não poder competir em rapidez com os outros colegas. Era então necessário proceder (fazer) de modo diferente. Sugerimos que nessa situação fizesse qualquer inesperada ou aparentemente absurda. Assim quando o professor colocasse a pergunta poderia, por exemplo, levantar-se e bater palmas aproveitando a natural surpresa dos presentes (surpresa sem dúvida paralisante) dar a resposta e depois dar a explicação das razões de tão bizarro comportamento. Este cliente seguiu o nosso conselho e na consulta seguinte relatou-nos o êxito obtido, satisfeito por finalmente ter conseguido mostrar, oralmente, os seus conhecimentos nas diferentes matérias. Parece-nos um caso nítido em que uma má pergunta conduz a uma má resposta. Não se tratava de encontrar a maneira de ser mais rápido mas sim a maneira de tornar os outros mais lentos!

Como já vimos o ritmo da fala é extremamente vulnerável à consciencialização. Torna-se mesmo muito sensível se essa consciencialização for feita sob tensão. Quando falamos na explicitação da teoria e prática do gago em relação à sua gaguez, temos subjacente a ideia de que a gaguez é um fenómeno saudável do ponto de vista funcional. É um fenómeno estável, resistente à transformação e não requer uma habilidade especial para ser produzido, pois processa-se automaticamente. Ora, é este aspecto “saudável” e automático da gaguez que a torna frágil. Se o ritmo da fala foi alterado, de início, por factores inibidores da expressão oral, essa alteração foi fixada e agravada pela consciencialização, sob tensão, desse mesmo ritmo. Assim, a voluntarização dum processo automático destruiu ou impediu a sua harmonia, estabelecendo um outro tipo de harmonia (a gaguez tem um ritmo próprio) tida como indesejável. Começa a delinear-se a hipótese de podermos destruir a gaguez pelo mesmo processo pelo qual se formou e estabilizou.

Triângulo Infernal: Gaguez ⇒ Ansiedade ⇒ Não querer gaguejar.

Podemos actuar sobre: a gaguez – exercícios de ritmo, leitura em voz alta; a ansiedade – relaxação, medicação; o não querer gaguejar – No ponto não querer gaguejar existe a possibilidade real de fazer intervir na vontade. Querer gaguejar. Prolongar voluntariamente a hesitação. Gaguejar voluntariamente. Ver-se (gravação em vídeo) a gaguejar e imitar-se. A repetição voluntária de programas motores automatizados provoca a sua desorganização por injunção paradoxal e consequente resolução do conflito inter-hemisférico.

A utilidade da gaguez

É um mito generalizado entre os gagos que os outros falantes não gagos não tem problemas; não tem medo de falar em qualquer situação. Consideram impossível que um não gago se sinta inibido para tratar de um assunto numa repartição pública ou para responder às perguntas de um professor. Esta situação tem para além das consequências óbvias, um outro tipo de consequências menos óbvias que nos falam da utilidade da gaguez. Se eu, indivíduo não gago, tenho vergonha de perguntar a um transeunte como localizar um endereço, terei de reconhecer tratar-se de uma inibição pueril e sujeitar-me a ser apelidado de tolo ou adjectivos semelhantes. No entanto o gago está a salvo desta contingência; não perguntou o endereço porque é gago. Tem justificação perante si e perante os outros. Poderá considerar-se esta situação irrelevante para demonstrar o caracter utilitário da gaguez mas, se pensarmos no que esta óptima desculpa pode representar para quem não conseguir fazer uma declaração de amor, talvez as coisas não fiquem tão simples. A facilidade com que o gago se desembaraça de situações em que se requer esforço para comunicar oralmente não o iliba, por conflito de interesses, da suspeita de invocar a gaguez apenas como desculpa e não por esta ser realmente um factor impeditivo da comunicação. “Se não fosse gago, tinha-lhe dito...”. Nós perguntamos: teria dito mesmo?!.

Para além deste aspecto, quase pecaminoso da utilidade da gaguez, encontramos outra situação em que a gaguez se tornou útil para os interlocutores do gago. Um professor relatou-nos que uma vez perguntou aos alunos o que pensavam da sua gaguez, alguns disseram que não os incomodava e outros que a gaguez do professor era muito vantajosa pois a lentidão com que se exprimia permitia-lhes recolher mais apontamentos do que em qualquer outra disciplina. É de notar que este professor não pôs em dúvida a sinceridade desta apreciação. O gago não reconhece qualquer tipo de utilidade na gaguez, pois poderia ser algumas vezes confrontado com a ilegitimidade de algumas utilizações e considera como zombaria os aspectos positivos que outros dizem nela encontrar. Por nossa parte diremos à maneira de Galileu, e no entanto ela é útil.

“Tu que sabes, eu que sei, cala-te tu que eu me calarei”

A gaguez incomoda quem a produz e quem a escuta. Provoca no ouvinte uma maior ou menor ansiedade. Estabelece-se um jogo muito interessante. O gago tenta disfarçar a gaguez e o ouvinte tenta parecer que não repara nela. Esta situação é extremamente curiosa pois, espantosamente, parece que as pessoas não vêm o absurdo que a caracteriza. Tanto o gago como o ouvinte tentam tapar o sol com uma peneira. O gago gagueja, o outro acaba-lhe as frases ou remove-se de impaciência, no entanto esta situação não se mantém por má-fé ou demência de qualquer dos dois. Estão presos à equação que fazem da situação. É tido por falta de educação apontar os defeitos dos outros portanto, o interlocutor do gago não pode, sob pena de se tornar ofensivo, clarificar a situação. Resta-lhe não falar no assunto e tentar mostrar que não dá pela existência da gaguez. Nesta situação não se dá conta que só se pode disfarçar qualquer cosia que se percebe ou seja, aquilo que o interlocutor acaba por fazer é afirmar que nota a gaguez e mais, que nota tanto que se sente na obrigação de disfarçar. Quem gagueja está tão ocupado em tentar controlar e encobrir a gaguez que cada vez gagueja mais e não vê nenhum motivo para fazer referência explícita aquilo que se passa entre os dois. Com estes pressupostos ficam os dois parceiros do processo de comunicação impedidos de falar sobre (metacomunicar) o mesmo, enquanto comunicam, objectivamente o contrário daquilo que desejariam, através dos comportamentos de gaguez e disfarce, respectivamente.

O gago malabarista

Temos que reconhecer aos gagos uma grande habilidade para falar. O gago reconhece que existem palavras ou letras em que gagueja mais tenta evitar as palavras usando sinónimos e introduz fonemas parasitas para facilitar a produção do discurso. Se nem sempre é fácil exprimirmos com exactidão aquilo que desejamos, podemos imaginar a “ginástica” que o gago faz para dizer aquilo que quer. É pena que esta capacidade do gago tenha como resultado um discurso onde abunda a gaguez acrescida de fonemas parasitas e alguma confusão resultante da “tradução simultânea”. Recordamos que temos sempre considerado os indivíduos com um grau de discernimento ou inteligência, idêntico aos seus semelhantes não gagos. Ora, dadas estas circunstâncias o gago apercebe-se perfeitamente do resultado desastroso deste género de tentativas para controlar a gaguez. Consciente da pouca eficácia da solução encontrada persiste na sua aplicação, apenas por não encontrar outra melhor. O esforço despendido não é compensado e muitos gagos nos têm dito que se sentem ridículos por usarem aqueles artifícios. Este sentimento do ridículo tem que ver, quanto a nós, com o facto de o gago desejar e pensar, ser seu dever enfrentar a gaguez sem subterfúgios e dominá-la. Teme que os seus malabarismos sejam descobertos e no entanto não consegue deixar de os fazer.

O controlo sobre o ouvinte

Os gagos detectam nos seus interlocutores várias respostas à sua gaguez, mas as que referem como mais perturbantes, são a pena, o gozo, a ansiedade e o desprezo. Temos que concordar que ser alvo de qualquer destes sentimentos não é agradável tanto mais se nos sentirmos culpados e impotentes para modificar o nosso comportamento. Uma das primeiras perguntas que fazemos aos gagos é precisamente se acham que têm o direito de gaguejar. A resposta tarda sempre em ser dada e alguns hesitantemente dizem que talvez, outros que não. De qualquer modo parece nunca terem reflectido sobre o assunto. O gago acha-se em falta, tem um defeito e portanto pensa que não tem o direito de gaguejar. Assim, ocupado que está em controlar e disfarçar a gaguez, não lhe passa pela cabeça a ideia de controlar o seu parceiro de comunicação.

No entanto é possível controlar os participantes em qualquer processo de comunicação com efeitos benéficos para o gago. Quem gagueja tem o direito de gaguejar mas tem também, para seu próprio bem, o dever de se preocupar com as reacções que a sua maneira de falar provoca nos outros. O ouvinte do gago não pode falar sobre a gaguez; cabe portanto ao gago dar o primeiro passo. Como? A resistência a esta sugestão é enorme. “não tem jeito eu começar a falar da minha gaguez” “iria fazer uma figura ridícula” etc, etc. Neste ponto, sugerimos que o gago se mostre preocupado com a ansiedade da outra pessoa. Poderá dizer qualquer coisa como “eu sei que a minha gaguez o perturba, mas não levo a mal que fique ansioso”.

Num grupo de conversa o gago está normalmente impedido de participar quer por limitação própria quer porque, tratando-se de uma conversa animada é difícil tomar a palavra para qualquer elemento do grupo. São situações em que frequentemente alguém diz com insistência “posso falar?” ou “agora falo eu!”. Estes pedidos de lugar na comunicação quase nunca são atendidos. É preciso impor a fala. Se o gago perguntar “posso gaguejar?” verificamos que esta inocente pergunta tem o dom de calar, literalmente, os outros elementos do grupo. Este tipo de mensagem reúne várias características de informação; é redundante, inesperada e explicita a relação no que diz respeito à dificuldade do gago em entrar no circuito de comunicação, revelando-se extremamente económica. Não deixa de lado o humor, uma faceta importante para a eficácia destes processos.

Agradecimentos: Ao meu amigo e professor Dr. Alberto Magalhães, psicólogo, pioneiro em Portugal no estudo da pragmática da comunicação numa perspectiva sistémica, que me deu a conhecer, no já longínquo ano de 1977, autores como Paul Watzlavick e Viktor Frankl.

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